A data em que os humanos chegaram à América do Sul foi adiada para pelo menos 25.000 anos atrás, com base em uma fonte improvável: pingentes feitos de ossos de preguiças gigantes.
Três osteodermos de preguiças, que são depósitos ósseos que formam uma espécie de armadura protetora sobre a pele de animais como tatus, foram descobertos no abrigo rochoso de Santa Elina, no Brasil central. Esses osteodermos estavam próximos a ferramentas de pedra e exibiam pequenos orifícios que só poderiam ter sido feitos por seres humanos.
Essa descoberta é considerada uma das primeiras evidências da presença humana nas Américas, de acordo com um artigo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B em 12 de julho.
O abrigo rochoso de Santa Elina, localizado no estado de Mato Grosso, no Brasil central, tem sido objeto de estudo por arqueólogos desde 1985. Pesquisas anteriores no local revelaram mais de 1.000 figuras individuais e sinais desenhados nas paredes, centenas de artefatos de ferramentas de pedra e milhares de osteodermos de preguiça. Dentre esses osteodermos, três apresentaram evidências de furos feitos por seres humanos.
Um estudo recentemente publicado detalha minuciosamente esses osteodermos de preguiça, demonstrando que é altamente improvável que os furos nos ossos tenham ocorrido naturalmente. Isso implica que esses ossos remontam a uma data entre 25.000 a 27.000 anos atrás, quando os seres humanos se estabeleceram na região do Brasil. Essas datas são particularmente relevantes devido às crescentes – embora ainda controversas – evidências de uma ocupação humana muito antiga na América do Sul, incluindo uma data de 22.000 anos atrás para o abrigo rochoso da Toca da Tira Peia, no leste do Brasil.
A equipe de pesquisa utilizou uma combinação de técnicas de visualização microscópica e macroscópica para estudar os osteodermos, revelando que eles foram polidos e exibem traços de incisões de ferramentas de pedra, bem como marcas de raspagem nos artefatos. Marcas de mordidas feitas por animais em todos os três osteodermos permitiram que os pesquisadores descartassem a possibilidade de roedores como responsáveis pelos furos.
Com base nessas observações, os pesquisadores concluíram que esses três osteodermos foram modificados por seres humanos e provavelmente foram utilizados como ornamentos pessoais. Essas descobertas adicionam informações valiosas à compreensão da ocupação humana ancestral na América do Sul e lançam luz sobre o passado remoto dessa região.
O coautor do estudo, Mírian Pacheco, professor de paleontologia na Universidade Federal de São Carlos, Brasil, observou que “é praticamente impossível definir o real significado que esses artefatos tiveram para os ocupantes de Santa Elina”. No entanto, ela destacou que a forma e o grande número de osteodermos encontrados “podem ter influenciado a confecção de um tipo específico de artefato, como um pingente”.
A presença desses ossos de preguiça modificados pelo homem em associação com ferramentas de pedra em camadas geológicas datadas de 25.000 a 27.000 anos atrás representa uma forte evidência de que as pessoas chegaram à América do Sul muito antes do que se supunha anteriormente. Essa descoberta tem implicações significativas para a compreensão da história antiga do continente e pode fornecer insights valiosos sobre a presença e as atividades humanas na região durante esse período remoto.
“Nossas evidências reforçam a interpretação de que nossos colegas que trabalham em Santa Elina vêm falando há 30 anos”, afirmou Thaís Pansani, paleontóloga da Universidade Federal de São Carlos no Brasil, em um e-mail para a Live Science. Isso significa que “os humanos estavam no Brasil Central há pelo menos 27.000 anos.” A descoberta apoia as conclusões anteriores dos pesquisadores que sugerem uma ocupação humana ancestral muito mais antiga na região, acrescentando evidências importantes ao entendimento da história pré-histórica das Américas.”
A descoberta revela que os povos antigos utilizavam os restos de preguiça de diversas maneiras, de acordo com Matthew Bennett, geólogo da Universidade de Bournemouth, no Reino Unido, que estudou as interações entre humanos e preguiças na América do Norte, embora não tenha estado envolvido neste projeto.
Ele expressou entusiasmo em relação ao trabalho, afirmando que com o tempo, pode fortalecer a ideia de povoamento das Américas durante o Último Máximo Glacial, a parte mais fria da última era glacial. Essa descoberta traz perspectivas animadoras e valiosas para a compreensão da história ancestral da ocupação humana nas Américas, fornecendo evidências adicionais que podem enriquecer nosso conhecimento sobre essa época remota.
No entanto, muitos locais na América do Sul ainda não foram completamente estudados, o que indica que o debate sobre a chegada dos seres humanos às Américas está longe de ser concluído. Thaís Pansani afirmou: “Acreditamos que deve haver mais evidências esperando para serem encontradas nos abrigos rochosos e cavernas do Brasil, especialmente em locais pouco ou não explorados”. Essa perspectiva ressalta a importância contínua da pesquisa arqueológica na região, pois ainda há muito a ser descoberto e compreendido sobre a história ancestral da ocupação humana nas Américas.