Por André de Pierre
CONTROVÉRSIAS SOBRE MONUMENTOS MEGALÍTICOS
Os monumentos megalíticos são grandes pedras dispostas de forma engenhosa. De acordo com especialistas muitas dessas edificações, que também são chamadas de cromeleques ou conjunto de menires, são pré-históricas e datam do período Neolítico, da Idade do Cobre e do Bronze. Segundo esses estudiosos, o objetivo das construções seria religioso e funerário.
Logo de cara, ao analisarmos as teses mais aceitas, já é possível vislumbrar um problema que somente pode ser solucionado com toda comunidade acadêmica admitindo que as culturas antigas estavam interligadas através dos oceanos.
A controvérsia a se enfrentar é que as construções megalíticas estão por todo planeta Terra, portanto, ao menos que se conclua que construir grandes edificações de pedra fazem parte da genética da nossa espécie como a edificação de cupinzeiros pelos insetos, não será possível outra conclusão além dos contatos transoceânicos.
Outra discussão importante que devemos enfrentar acerca dos sítios megalíticos é sobre as datações desses monumentos. Ainda não é possível datar a pedra, em qual momento ela foi colocada na edificação, então se faz uma datação por analogia. Todo material orgânico coletado nas escavações dos cromeleques é datado através do método Carbono 14 e se conclui que os construtores são aqueles que deixaram os vestígios no subsolo. Contudo essa forma é absolutamente subjetiva, depende do íntimo, ideologias e experiências de cada pesquisador, já que em todos esses sítios foram localizados artefatos em vários estratos (camadas) do subsolo.
Por consequência todas essas histórias de neolítico, cobre e bronze, não passam de uma narrativa quase mitológica criada para saciar a sede humana por catalogar e explicar os eventos de forma lógica, contudo não é menos fantasiosa do que as narrativas dos nativos que falam de deuses que desceram do céu e ajudaram a criar os monumentos megalíticos.
Nesse sentido, a arqueóloga responsável pela escavação do Parque Arqueológico do Solstício ou “Stonehenge Brasileiro”, Mariana Petry Cabral, do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do estado do Amapá, escreveu no artigo “De cacos, pedras moles e outras marcas: percurso de uma arqueologia não qualificada”, “tanto da arqueologia quanto da antropologia, comecei a perceber a arqueologia como uma prática de sentido, em que vestígios materiais são manipulados na construção de narrativas sobre outros tempos”.
CONCLUSÕES DA ARQUEOLOGIA TRADICIONAL SOBRE O STONEHENGE BRASILEIRO
Pelo que pude levantar durante minhas pesquisas ‒ me desculpem se estiver equivocado ‒ o único estudo publicado com ocorrência de escavações realizado no “Stonehenge Brasileiro” foi concluído na primeira da década deste milênio. De acordo com os cientistas, no artigo da Revista Arqueológica Volume 21 Número 1 de 2008, a investigação efetuada teve um caráter mais exploratório.
A pesquisa foi patrocinada pelo Governo do Estado do Amapá e liderada pelos arqueólogos Mariana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha, na época servidores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá ‒ IEPA.
O estudo realizado no denominado sítio arqueológico AP-CA-18 não foi conclusivo e não houve indicação alguma sobre realização de datação pelo método Carbono 14. Contudo, foram encontradas diversas urnas funerárias nos dois poços escavados e isso reforça a tese de que o local teve, em algum momento, caráter mortuário e religioso. A escavação atingiu seu ponto máximo em 190 cm de profundidade. Nessa altura, foram encontrados poucos materiais. No estudo, não há esclarecimento sobre o motivo das pesquisas terem cessado nessa profundidade.
Segundo os arqueólogos, no mesmo artigo, já citado acima, o material cerâmico encontrado pertence a Fase Aristé ‒ datada do século I até o período colonial. A conclusão se baseia em modelos cronológicos citados no artigo como descritos por Rostain (1994) e Megger e Evans (1957) e em teorias antropológicas do Evolucionismo Cultural.
Os megálitos são de basalto podendo pesar até 4 toneladas e os arqueólogos chegaram a conclusão de que as inclinações das rochas são intencionais porque “a base da rocha encontrava-se reforçada não só por placas e blocos de rocha colocados como calçamento, mas também pelo fato da fossa ser escavada até 20 cm abaixo da carapaça laterítica, oferecendo uma fundação mais estável para o bloco” e concluíram que o monumento megalítico tem relação com o evento do Solstício. Ainda no estudo, asseguraram que o meteorologista José Elias Ávila, também na época da publicação membro do IEPA, chegou a conclusões corretas nas observações sobre os alinhamentos astronômicos existentes no monumento megalítico, análises essas efetuadas por três anos seguidos.
Por fim, concluíram que “ainda precisamos de mais dados contextuais para avançar nestas e em outras interpretações, em especial porque carecemos de escavações amplas em todos os tipos de sítios arqueológicos presentes nesta área” e “o que nossas pesquisas recentes oferecem são dados contextuais sobre a deposição de material arqueológico em um sítio megalítico. As escavações sistemáticas permitiram a identificação de diferentes tipos de atividades ocorridas nesta estrutura”.
INVESTIGANDO O STONEHENGE BRASILEIRO
Antes de sairmos da cidade de Macapá, paramos no Museu de Arqueologia e Etnologia. No local tivemos acesso a fotos de outros monumentos megalíticos que existem no estado. Essas edificações se encontram nos municípios de Pracuúba e Macapá, ao sul de Calçoene. De acordo com uma tabela exibida no artigo dos arqueólogos Cabral e Saldanha, o Amapá possui 22 sítios com megálitos, sendo que 6 são inéditos e 16 já estão referenciados. Sem dúvida, são números impressionantes.
Através das fotos, é possível perceber que os megálitos são do mesmo tipo de Calçoene, o que denota claramente que tal empreendimento pertence a uma cultura comum. O que teria levado os povos pré-históricos ali na Linha do Equador, no norte da América do Sul, a construírem templos de pedra para prever os Solstícios? Essa resposta eu vou teorizar durante este artigo.
Entramos BR-156 e a partir dali é impossível errar o caminho porque não existem muitas estradas no estado. A paisagem muito pitoresca da região, diferente de tudo que já vi no Brasil, fez com que eu não quisesse dormir em nenhum momento daquela viagem. Após uma parada para o almoço em Tartarugalzinho, chegamos a Calçoene umas 15:30.
O Parque Arqueológico do Solstício fica a 18 km do centro da cidade, em um sítio chamado Rego Grande, na área rural do município. Não há sinalização, sinal de celular e muito menos indicação nos aplicativos de mapas sobre a localização do Stonehenge Brasileiro. Na entrada do local existe uma placa meio escondida, já envelhecida. Passando esse único letreiro é possível ver um morro bem baixo, quase que de forma piramidal. Sobre o morro está o monumento megalítico que tanto sonhei em conhecer.
Subi o morro por apenas alguns metros e de repente estava defronte aos imponentes megálitos, que causam uma impressão muito forte. O Sol estava na posição que eu esperava, faltava um mês para o Solstício. A tarde, já próximo ao crepúsculo, a luz do sol projetava sombras perfeitas nas pedras e eu pude investigar cada alinhamento astronômico.
Inicialmente a pedra que chama mais atenção é a rocha que tem um furo. Esse tipo de fissura é projetada para que a luz do sol a ultrapasse, indicando a estação do ano. Também pude constatar com a bússola que o monólito está perfeitamente alinhada leste/oeste. Contudo, o mais extraordinário é a visão que se tem de dentro do forame. A pedra inclinada que até o momento só chamava atenção pela altura e quantidade de megálitos em seu entorno, aparece de outra forma com a observação correta de dentro do furo. A partir dessa visão, vemos a cabeça de um animal, que para mim se parece com um touro ou um cavalo.
Outro megálito importante é aquele pontiagudo, também inclinado, que projeta uma sombra espetacular, sendo o protótipo perfeito de um relógio solar. A luz do sol no Solstício incidirá sobre a pedra que outrora esteve de pé entre o relógio solar e a pedra do “cavalo” (denominação minha).
Por todo sítio existem rochas caídas, que pela imagem aérea que tiramos naquele dia, observei que formavam, em tempos imemoriais, um círculo de pedra. Nas beiradas do círculo ainda é possível observar a elevação artificial que existia no templo Solstício.
A questão que me atormentaria nos próximos é quem estaria interessado em construir um monumento megalítico naquela região tão inóspita?
UMA QUESTÃO EPISTEMOLÓGICA
A maioria dos conceitos que aprendemos nas escolas hoje em dia nos primórdios da nossa construção intelectual tem sua origem em concepções modernas do conhecimento. Ideias simples que fazem parte do nosso cotidiano como a contagem do tempo, localização e fenômenos astronômicos são de fácil aprendizagem nos tempos atuais.
Agora, imagine-se em um mundo onde não exista sistema de contagem de tempo e calendários. Utilize a sua imaginação e tente se transportar para um estágio muito primitivo onde não se sabe da existência das estações do ano, muito menos de fenômenos como o Solstício. Não existe um sistema norte, sul, leste e oeste. Não existe nada além do ambiente onde se vive, porque não há rádio, televisão, internet, livros, muito menos uma tradição cultural de milênios: somente o homem e seu meio.
Todo conhecimento é construído através de princípios e o Solstício é um fenômeno estudado a partir de uma ideia de localização e calendário. Novamente pense, nesse estágio primitivo não há datas e não existe noção de uma localização além do ambiente onde se vive!
Mas o que é o Solstício? Segundo o site Brasil Escola, “Solstício (sol + sistere, que não se mexe, em latim) consiste no instante em que o Sol atinge maior declinação em latitude em relação à linha do Equador, fato que provoca maior intensidade de radiação solar em um dos hemisférios, caracterizando o solstício de verão (dia maior que a noite). Nesse momento, o outro hemisfério estará em solstício de inverno (quando a noite é maior que o dia)”.
Percebam no parágrafo anterior que a ideia de Solstício parte de conceitos complexos interdisciplinares, que somente podem ser construídos com milênios de progressão cultural.
Agora, na Wikipedia, vemos um texto bastante interessante sobre o fenômeno. “Em várias culturas ancestrais à volta do globo, o solstício de inverno era festejado com comemorações que deram origem a vários costumes hoje relacionados com o Natal das religiões cristãs. O solstício de inverno, o menor dia do ano, a partir de quando a duração do dia começa a crescer, simbolizava o início da vitória da luz sobre a escuridão. Festas das mitologias persa e hindu reverenciavam as divindades de Mitra como um símbolo do “Sol Vencedor”, marcada pelo solstício de inverno… O solstício de verão (midsummer) no hemisfério norte é celebrado em diversos locais, especialmente nos países do norte da Europa: Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia. Também na Inglaterra o midsummer é celebrado, com destaque para Penzance, na região da Cornualha, onde acontece o Festival Gollowan, e para Stonehenge, quando o Sol nasce exatamente sobre a pedra principal do monumento”.
Chama atenção que no próprio verbete se diga que tal veneração era global! E cita o solstício de inverno e de verão. A comemoração marcava a transição de estação, muito celebrada em tempos antigos, principalmente nos países de clima temperado. A mudança de clima e a percepção de duração do dia era muito evidente.
Contudo, Calçoene está a poucos quilômetros da Linha do Equador, e, nesse sentido, na Wikipedia, vemos uma ideia básica sobre o fenômeno, “Na linha do equador a duração dos dias é fixa ao longo das estações, com 12 horas de luz e 12 horas de noite (ver cálculo da duração do dia para latitude de 0°). Desse modo os solstícios nessa linha não podem ser obtidos através de dias ou de noites mais longas. Somente podem ser observados através do dia em que o Sol atinge a menor elevação no meio-dia local, podendo o azimute dessa elevação do Sol estar orientado para o norte (solstício de verão no hemisfério norte) ou para o sul (solstício de verão no hemisfério sul). Na linha do equador não há como dizer se um solstício é de verão ou de inverno uma vez que demarcam a separação dos hemisférios norte e sul da Terra”.
Ora, considerando essa extrema dificuldade de visualização do fenômeno, porque estamos praticamente na Linha do Equador, onde podemos dizer que há uma única estação quente com horas fixas, sendo perceptível somente a mudança no regime de chuvas (que não tem nada a ver com o solstício), então, por qual motivo esse alinhamento está presente naquela região?
Para mim, no momento, existem algumas explicações:
1) Tudo não passa de uma trágica coincidência. A nossa percepção do mundo é absolutamente diferente dos construtores, que não faziam a mínima ideia do que é um Solstício, e o furo na pedra é mera casualidade;
2) Pessoas pertencentes as civilizações do Oriente Próximo (Europa, Ásia Menor, Norte da África ou Oriente Médio) estiverem na região e construíram um monumento megalítico para marcar sua presença no antigo Amapá. As oferendas no local se devem a apropriação da área por uma cultura regional, que identificaram os orientais com tecnologia superior como deuses;
3) Um deslizamento da crosta terrestre em tempos muito antigos devido a um grande cataclismo mudou a posição da Linha do Equador. Essa teoria, chamada de Antigo Equador ou Teoria do Antigo Deslocamento da Crosta Terrestre, foi elaborada inicialmente pelo historiador e geógrafo Charles Hapgood da Universidade Harvard que defendeu a tese no livro “The Path of the Poles”. Publicado no site oficial do escritor e pesquisador Graham Hancock, o texto escrito por Jim Alison resume, “Os polos norte e sul nem sempre estão em seus locais atuais. Várias teorias foram oferecidas para explicar movimentos observados e suspeitos dos polos em relação à superfície da Terra. Placas tectônicas, a teoria predominante, sugere movimentos graduais da superfície da Terra. Esta teoria foi posta em causa por medições recentes dos movimentos relativos da superfície da Terra e pela acumulação de dados sismológicos. Teorias alternativas incluem: mudanças axiais; passeio polar; e uma forma catastrófica de deslocamento polar conhecida como deslocamento da crosta terrestre”.
4) Sobreviventes de um antigo cataclismo, pessoas que pertenciam a uma civilização mais avançada anterior ao caos, como os atlantes descritos por Platão, estavam obcecados pela contagem do tempo, talvez, tentando prever um próximo evento. Esse povo sucumbiu e o templo foi ocupado por outras culturas que não sabiam seu significado.
A única resposta que não posso considerar, é aquela que teoriza que pessoas da Fase Aristé, nativos da região, foram os responsáveis pela construção, colocação das pedras, elaboração da contagem de tempo, desenvolveram uma ciência de localização, e, enfim, esqueceram como se faz e pararam, sem motivo aparente, de construir tais monumentos megalíticos. O conhecimento não foi transmitido libido-de.com? Não é assim que funcionam as sociedades humanas.
A CABEÇA DE EQUINO OU BOVINO PODE AJUDAR NA SOLUÇÃO DESSE ENIGMA
Considero que as observações mais importantes que pude fazer no sítio Rego Grande foram a comprovação de que: o buraco na pedra está perfeitamente alinhado com os pontos cardinais e a visão que se tem através do furo é que na pedra à frente se observa a cabeça de um animal.
Em uma espécie de pesquisa sem valor científico, fiz uma enquete nas minhas redes sociais apresentando a imagem através do forame. Todas disseram que viram a cabeça de um animal, contudo vários mamíferos foram apontados: cavalo, vaca, anta e etc. Apenas um suscitou a hipótese de pareidolia, mas e se realmente for pareidolia? Qual o problema? Vou analisar abaixo.
Imagine-se construindo um templo e você encontra uma pedra com a cabeça de um mamífero (impossível não ver). Como um bom engenheiro de templo, coloca essa pedra perfeitamente inclinada e alinhada com os pontos cardinais para projetar a sombra de um animal. Conseguiu idealizar? Não há nada de errado nisso, faz parte de todo o projeto do monumento!
Contudo, o que isso pode nos ajudar. Como muitos brasileiros sabem, no Amapá não existem espécies nativas de equinos e bovinos, então, nesse momento nós temos um sério problema, correto? Não! Pode ser a solução para a datação do sítio, mesmo que seja por analogia.
Na megafauna regional da última glaciação existia uma espécie de cavalo que foi extinta como tantos outros mamíferos daquele período. Isso pode ser uma evidência importante das explicações 3 e 4 do capítulo anterior desse artigo. Também pode nos ajudar a datar tal monumento para aproximadamente 12.000 anos, assim como Göbleki Tepe, na Turquia.
No caso de um bovino, podemos teorizar que pessoas do Antigo Oriente Próximo que veneravam os bovinos na Idade do Bronze, muitos desses povos hábeis navegadores, estiverem naquela região do Brasil Pré-Histórico e deixaram uma marca cultural importante de sua passagem por aqui. Não por acaso, os antigos astrólogos do Oriente Próximo consideravam aquela época como a Era Astrológica do Touro, o que poderia significar que o monumento fora construído entre 4.000 a.C. até 1500 a.C.
Também temos que considerar que aquela pode ser a representação de algum mamífero regional, como a anta. Contudo, é inadmissível que se considere a forma que foi colocada com tanto esmero naquela posição seja uma outra casualidade.
UM ATÉ LOGO
O Amapá é realmente um estado magnífico em todos os sentidos. Um povo sorridente e acolhedor que mora em um local abençoado de natureza e clima sem igual. Como se não bastasse tanta beleza, na área existem enigmas tão incríveis quanto a paisagem.
Infelizmente, na madrugada do dia 24 de novembro de 2019 eu tive que me despedir. Como a viagem foi tão especial, digo que esse não foi um adeus, mas sim um até logo! Pretendo retornar muito mais vezes até que o enigma do Stonehenge Brasileiro esteja solucionado.
Leia matéria completa na Revista Enigmas 10.